"Nunca
lhe falei da minha paixão, mas ele deve ter ouvido alguns segredos que
os meus olhos, traiçoeiros, deixaram escapar nas raras vezes que permiti
tocarem os dele. Deve ter percebido a palidez que vestia meu rosto ao
encontrá-lo. Depois, o rubor. As palavras trôpegas, desconexas, tentando
achar o caminho da lógica. Aquele texto inadequado para o contexto que a
gente diz e depois, ao relembrar, faz um muxoxo, balança a cabeça
aborrecidamente, e diz pra si mesmo: “Ai, meu Deus!...”
Deve
ter ouvido o meu riso desafinado, que em algumas circunstâncias era
motivado apenas pelo nervosismo. O outro falando de uma coisa que não
tem graça nenhuma e a gente rindo, sem poder explicar a aparente
esquisitice. Deve ter ouvido a mão gelada que apertava a dele levemente
para não ser desmascarada. E aquele ar meio patético que as pessoas
costumam ter quando se apaixonam. A boca é o que menos fala no corpo.
Imagino que deve ter ouvido algumas dessas vozes que falavam em mim sem
que eu pudesse contê-las.
Mas,
ainda que tenha ouvido, não ouviu tudo. Não soube que eu inventava os
pretextos menos criativos para vê-lo. Que planejava a maioria dos
encontros que eu chamava de coincidências. Que antes de ir até onde ele
estava, passava mais perfume que de costume. Mudava, várias vezes, a
roupa, o batom, o humor. Enchia a boca com balas de hortelã. Ficava
incontáveis minutos em frente do espelho, procurando o melhor ângulo, o
melhor sorriso, a melhor expressão de surpresa. Ensaiava, em vão, como
agiria quando o encontrasse: o cumprimento, os gestos, as palavras. Todo
um roteiro meticulosamente estudado para ser traído, em poucos
segundos, pela inabilidade que me dominava ao me flagrar diante dele.
Aquele esforço sobre-humano para aparentar serenidade com uma escola de
samba desfilando no coração.
Nunca
soube que, depois de encontrá-lo, relembrava cada detalhe durante todas
as horas que antecediam o próximo encontro. A rota que seus olhos
percorreram, cada movimento, cada vírgula da sua fala, cada nuance de
entonação. Era como se eu quisesse descobrir alguma possibilidade de
correspondência. Ainda que pequena. Ainda que remota. Relembrar
também era uma forma de senti-lo perto de mim de novo e de poder olhar
para ele sem reserva, sem cautela, debruçada na janela da minha
imaginação.
Mesmo
que tenha suspeitado de que eu sentia algo, não descobriu tudo. Não
descobriu que seu riso era a canção de que eu mais gostava. Que
sussurrava seu nome repetidas vezes, e com tanta delicadeza, que ele
bailava nos meus ouvidos como um poema. Um mantra. Uma música. Que eu
queria conhecer o lugar onde os seus sonhos moravam para poder
acordá-los, vez ou outra, quando adormecessem. Que em alguns momentos,
no auge da minha ilusão, senti vontade de pedir que jogássemos as armas
no chão para que nossas mãos pudessem se encontrar.
Nunca
descobriu que escrevi versos que não lhe mostrei e cartas que jamais
entregaria. Que muitas vezes, a pedido do meu coração, liguei apenas
para ouvir sua voz dizer alô e desliguei sem uma única palavra. Que
fantasiei delícias. Que cantei todas as músicas de amor que eu sabia
lembrando dele. Que lembrava ao acordar. Que adormecia lembrando. Que
lembrava tanto que achava ter enlouquecido, ô droga obsessor esse tal de
amor. E que, às vezes, lembrar doía, uma dor fina e morna crescendo no
peito, como doem os sonhos que não acontecem e que a gente desconfia que não vão mais acontecer.''
[Ana Jácomo]
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